Sobre o Acordo ortográfico e a Lusofonia

Vi-me perante a decisão de assinar uma petição requerindo a rápida implementação do acordo ortográfico, num contexto de defesa da Lusofonia. Assim, resolvi apressar uma reflexão que vinha fazendo sobre o assunto, do que resultou a minha actual opinião, que agora partilho.

Desconheço, em profundidade os argumentos das facções "pro" e "anti" acordo ortográfico. O debate que tenho acompanhado baseia-se, quase exclusivamente, em questões linguísticas e, dentro destas, nas de grafia. Ora, como sabemos, a construção linguística apenas começa na grafia, mas depende muito mais de outros parâmetros como os de síntaxe ou gramaticais para a prossecução do seu principal objectivo - a comunicação.

A grafia, como o nome indica, reflecte-se na forma - menos no conteúdo; para um cego, qual o real impacto do (des)acordo ortográfico? Será assim tão relevante? Por outro lado, o desejo de simplificação e normalização linguísticas, independentemente do custo emocional das cedências, implica uma desvinculação a aspectos etimológicos porventura importantes. Muitas palavras conservam características próprias desde a sua raiz greco-latina, reflectem-na, ampliam-na, e a simplificação ocorre como processo natural de uma língua viva. Acho salutar, para uma profunda compreensão da etimologia e significados, bem como o seu potencial enquanto ferramenta de expressão, conservar-se essa raiz - muitas vezes perdida pela supressão de consoantes mudas.

Assim, sob o ponto de vista da grafia, sou um acérrimo defensor do "português luso", que considero mais elegante, escorreito e eficaz; por outro lado, sou um admirador incondicional dos grandes escritores brasileiros, nomeadamente do séc. XX, que demonstram como é possível escrever bem em português, independentemente da "pronúncia" brasileira do discurso. A diversidade de "pronúncias", enquanto expressão intelectual de vivências e maneiras de organizar o pensamento, é o que de mais salutar pode, quanto a mim, existir...

Os povos lusófonos vivem cultural e geograficamente demasiado distantes para que, mesmo com as actuais tecnologias de comunicação, os esforços de normalização sejam capazes de surtir efeitos a longo prazo: qual o "prazo de validade" de um actual acordo? Se, por exemplo, daqui a 50 anos Angola, por exemplo, for uma potência literária e intelectual (na perspectiva de infra-estruturas de ensino, etc.) comparável ao Brasil, far-se-ão novos acordos, agora mais adaptados a eventuais novas grafias?

Duas das maiores potências mundiais, Estados unidos e Grã-Bretanha, falam Inglês diferente. Qualquer um dos seus mercados é maior do que Portugal alguma vez será - e o Inglês é, cada vez mais, a linguagem universal - Será relevante ou até possível pensar numa normalização? Haverá reais vantagens nesses dispêndio de energias e fundos?

A Língua Portuguesa deixou de ser dos Portugueses quando dela fizeram uso para efectivar a conquista de novos povos e territórios. A normalização é impossível dentro do próprio país, se não graficamente, mas no profundo significado que cada palavra e expressão tem.

Para mim, a Lusofonia é um conjunto de pessoas que partilham e se revêem em aspectos intimamente ligados à cultura portuguesa e a alguns valores a ela intrínsecos; desses, a língua é apenas um ponto de partida - importante, mas não essencial. Não bastará falar português para integrar a "Lusofonia", enquanto congregadora cultural, elo de união universal e, no seu íntimo, indefinível.

A minha opinião é que Portugal conserve a sua Língua e a dignifique; que a ensine melhor, que a promova, que conquiste novos mercados económicos e culturais porque é realmente bela, infinitamente potente enquanto veículo comunicacional. O português, enquanto língua viva, é diferente, sempre, porque a mutação é constante - porém, lenta; assim, só nos apercebemos de forma relevante dessas diferenças a intervalos de tempo razoáveis, de digamos, uma, duas gerações. Aí, será tempo de reflectir, distinguir evolução de deturpação quando possível, intervir "oficialmente" se estritamente necessário.

As cedências gráficas parecem-me redundantes - tanto há a fazer para aproximar os povos, tanto património cultural e intelectual a preservar, a compreender, tantas diferenças e injustiças a atenuar. Será que o povo brasileiro está preocupado com a grafia da língua? E o de Timor-Leste? E o português? Não será essa a razão pela qual o debate passa ao lado da maioria das pessoas, que é quem verdadeiramente faz a língua existir?

Perdoem-me o excesso, mas como se pode falar de acordo ortográfico como factor essencial da Lusofonia, se a grande maioria dos nossos irmãos africanos vive abaixo do limiar da pobreza, se em Timor a guerra continua, não nas parangonas dos jornais mas no seio das populações? No Brasil há mais de 50 Milhões de pobres, e destes, metade vive em pobreza extrema! Isto, no país que ocupa o 9º lugar mundial a nível de desenvolvimento, e em que bastava 5% do rendimento bruto para erradicar a pobreza! Para não falar de Portugal...

Custa-me falar de "óptimo" ou "ótimo" nestes casos; porque estamos tão longe do aceitável...
Não conseguimos travar os processos locais de evolução linguística - que causarão sempre uma deturpação do original. Mas talvez consigamos, saindo das cátedras da teorização, universalizar o respeito pela vida e pela natureza, os direitos do homem, a fraternidade, a transmissão de ideias e culturas, cruzamento de saberes e, sobretudo, da igualdade.

Assim, talvez possamos implementar a verdadeira Lusofonia.

3 coments:

chrys disse...

caro amigo
se viajar até à página geral dos colóquios http://lusofonias.com.sapo.pt e
vir no acordo ortográfico
http://lusofonias.com.sapo.pt/acordo%20ortografico.pdf já está lá a sua
opinião, bem como muitas a favor e outras contra.
pode ler as 56 páginas de opiniões que estão lá do Brasil, a Portugal,
Angola e Moçambique.....
como sou pragmático apoio o que ia dito na minha última mensagem pois
reflecte bem o que penso...e embora seja contra qualquer tipo de acordo acho
que este é fundamental como a última oportunidade de fazermos com que a
língua à sua moda não fique na categoria das línguas minoritárias do mundo
enquanto a versão brasileira se cresce e expande para tomar conta dos fóruns
internacionais...
a sua visão romântica das coisas que eu teria há uns 20 ou 30 anos deu lugar
a uma visão mais lógica e pragmática, ou ficamos com a nossa língua à nossa
moda e 10 milhões de falantes como língua minoritária ou continuamos a
chamar português a tudo o que se fala e escreve em Portugal, Brasil e
ex-colónias com a implementação do acordo.
vai ver que nem se dá conta da dificuldade que foi mudar, daqui a uns
anos.... eu já mudei várias vezes a escrita na minha vida e quando tinha
11-11 anos lia o Júlio Verne em versão de 1887 antes da reforma de 1910....e
isso não me afectou nem me fez mal...daqui a uns anos ninguém se lembra
Chrys

SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO
http://lusofonias.com.sapo.pt/acordo%20ortografico.pdf

Anónimo disse...

caro amigo, desculpe pelo meu português na escrita, sou galego, que gosta do nosso idioma común o galego-português. Tenho lido a chrys no jornal de trâs os montes, são muito interessantes.
Concordo con você na beleza da lingua portuguesa, até que estudei o português e lim a sua literatura não sabia que é unha lingua preciosa. Tenho mais dificoldades na fala coa gente, poruqe não estou a cotio a falar e escoitar os irmaus portugueses.
Sou galego, como disse, e nasci na fronteira das terras do barroso, vi e vexo nasceer o Cavado, que nasce, ainda que só eu defendo esta teoría, xuno con Limia que unha vez deixa Galiza, vai até o mar em Viana do Castelo. Talvez você não tem consciencia de que há perto de Portugal um povo mais da Lusofonía, a Galiza. O galego-português e o nosso idioma, que vocês mantiveram e agrandaram e fizeram dele unha lingua universal, nos seguimos a manter isse idioma común, de outra maneira, com muitas dificoldades, mas os que amamos esta lingua só acreditamos a sua mantenza se podemos partilhar do mundo da lusofonía. Só quero deixar esta pequena coisa, na que talvez os portugueses, talvez por culpa de tantas coisas, não sintam isso, como tantos galegos vivem de costas a esta realidade.
un saudo de irmão .

Rafael Fraga disse...

Caro Reis,

Obrigado pela partilha da sua opinião, que só hoje vi.

De facto, a Galiza é um pouco da Lusofonia, infelizmente muitas vezes deixada de parte - é uma falha histórica, recorrente.

Quanto à Língua, acho que não devemos fazer concessões no que é verdadeiramente bom. É-nos impossível competir comercialmente com o gigante Brasil, e, em poucos anos, com o gigante Angola, parece-me.

O Português está bem vivo, deixemo-Lo seguir o(s) seu(s) curso(s), natural.

Um abraço para todos os irmãos Galegos,
Rafael Fraga